Uma vez por mês, animais visitam pacientes acamados que não podem ir ao encontro dos Cães Doutores
Foto: divulgação
Marília BanholzerDo NE10
“Cãoelhos” invadiram a festa de Páscoa das crianças internadas na pediatria do Hospital Barão de Lucena (HBL), localizado na Iputinga, Zona Oeste do Recife. Caracterizados de coelhinho e levando ovos de chocolate, os Cães Doutoresfizeram uma verdadeira cachorrada – no bom sentido – com a criançada, nesta terça-feira (15). Internada na unidade de saúde há oito dias por causa de uma pneumonia, a pequena Sara, de dois anos, ficou apaixonada pelos cachorros. “No começo, ela até ficou com um pouquinho de medo, mas depois adorou. Não queria mais soltar os bichinhos”, contou a mãe da menina, Patrícia Gabriele.
Apesar de ser a primeira vez que Sara e sua mãe viram os animais na unidade de saúde, a presença dos Cães Doutores faz parte da vida dos pacientes da pediatria do HBL há oito anos. Desde 2006, a terapia com cães ou Cinoterapia vem sendo praticada no hospital recifense. Quinzenalmente, às quintas-feiras, o projeto leva pelo menos quatro cães para interagir com as crianças internadas e realizar um trabalho ocupacional. “Atualmente temos um grupo com cerca de dez cachorros treinados para serem cães doutores, que são revezados a cada vinda. Essa divisão acontece até mesmo porque é um serviço voluntário; não dá para os donos deles sempre trazerem os animais”, explicou a coordenadora do projeto e terapeuta ocupacional, Andréa Souza.
As crianças podem passear com os cães como forma de terapia
Foto: Fábio Jardelino/NE10
Entre os pacientes beneficiados com o projeto, que é uma parceria da Secretaria de Saúde de Pernambuco e o Kennel Club no Estado, estão Vitória Naome, de 2 anos, portadora da síndrome de Down, e Jonatas Artur, 4 anos, diagnosticado com autismo. A menina que não andava ou falava passou a se expressar muito melhor e dar seus primeiros passos após as interações com o cão Bruce, um golden retriever de cinco anos. O garoto que não se relacionava com as pessoas, principal característica do autismo, já brinca com as demais crianças e com os animais como se não tivesse qualquer distúrbio psicológico.
“Foi amor à primeira vista. Como ela passou muito tempo na UTI (Unidade de Terapia Intensiva), ela não teve contato com nada, nem ninguém. Tinha dificuldade de andar, de falar e de pegar nas coisas. Mas, depois de conviver com os cães, ela interagiu bem”, contou a mãe de Vitória, Fabiana Dias da Silva, que sempre leva a menina para encontrar com os amigos de quatro patas quando há atividade no hospital. Os avanços de Vitória após quase um ano de início da cinoterapia foram tão expressivos que a menina ganhou um labrador. “Ela começou a terapia em junho do ano passado. Hoje ela ganhou um cachorro porque nós entendemos que é o melhor para ela”, ressaltou Fabiana.
Já no caso do pequeno Jonatas, o autismo sempre foi uma barreira para que ele fizesse amigos ou interagisse com as outras pessoas. No entanto, desde o ano passado, quando começou a brincar com os Cães Doutores, o menino já mostra a quebra de barreiras como o toque. Entre puxões de orelha e e rabo dos cachorros, o pequenininho pega os médicos e voluntários pelo braço e pede ajuda para “fazer cavalinho” nos amigos peludos.
“Já faz três anos que ele (Jonatas) vinha pro Barão de Lucena para o acompanhamento psicológico e há um ano que ele brinca com os cachorros. Hoje mesmo, ele estava chorando muito logo cedo, mas, quando ele viu os Cães Doutores. tudo parou e ele foi encontrar com eles”, lembrou Josiano de Castro, pai do menino.
Ilustração: Keziah Costa/NE10
Não são só as melhorias clínicas que mostram os benefícios da cinoterapia para os pacientes da pediatria. A expectativa para a chegada dos animais, o encontro dos olhares, o sorriso escancarado e o abraço sem medo são provas de que os Cães Doutores estão fazendo sua parte na melhoria da qualidade de vidas desses pequenos guerreiros. E mais: os cães também ganham.
Para o vendedor Felipe Coimbra, de 42 anos, seu cão Bruce se diverte muito com a visita às crianças do Barão de Lucena. “Ele já anda pelos corredores com a coleira na boca, vai ao encontro dos meninos, fica lá como se fosse o melhor lugar do mundo. É muito gratificante”, comentou. Ainda segundo o “pai” de Bruce, o cão foi um dos primeiros a fazer parte do Projeto Cães Doutores, mas mesmo assim segue fazendo sessões de adestramento.
Sessões de adestramento gratuitas são realizadas no Kennel Club aos sábados
Foto: divulgação
Um dos idealizadores do Projeto Cães Doutores, o advogado Ivan Sobral levou a sua daschund Florzinha para participar das atividades com a criançada do Hospital Barão de Lucena. Segundo ele, a ideia de criar o trabalho surgiu de uma conversa com a coordenadora do projeto Andréa Souza. “Eu sempre adorei cães e acho que ele têm uma função social muito maior. Então, durante uma conversa com Andréa, nós começamos a pensar em como colocar o animal dentro de um hospital”, contou Ivan.
De acordo com ele, a grande dificuldade do projeto é vencer o preconceito de que o animal traz doenças para o ambiente da unidade de saúde e para o paciente. “Para você ter ideia, apenas seis anos após muito trabalho (em 2012) conseguimos fazer os cães entrarem na enfermaria, já que antes nós só tínhamos autorização de ficar no pátio e as crianças autorizadas pelos médicos poderiam descer para as atividades”, relembrou.
A higienização é feita cuidadosamente para garantir a segurança dos pacientes
Foto: Fábio Jardelino/NE10
A coordenadora Andréa Souza, terapeuta ocupacional, espera que o próximo passo do projeto seja ter o acesso à UTI, mas ela reconhece que isso ainda pode demorar. “São muitos requisitos a serem cumpridos, é um ambiente diferenciado, mas eu tenho certeza que vamos conseguir e que vai ser ótimo para o paciente”, avaliou a coordenadora do Cães Doutores no Barão de Lucena. “Vale lembrar que os cães tomam banho 24h antes da visita e que, antes do contato com as crianças, eles recebem cuidados como um gel que inibe os fatores alergênicos nos pacientes”, explicou.
TREINAMENTO – Qualquer cachorro, independente de raça, tamanho, sexo ou idade pode ser um Cão Doutor. Para fazer parte do grupo, o animal terá que passar por uma avaliação comportamental feita por especialistas do Kennel Club de Pernambuco. Esse serviço é oferecido gratuitamente, todo os sábados, no próprio clube. Após ser aprovado, o cachorro receberá adestramentos, também sem custos, para poder aprender truques que ajudem a melhorar sua relação com as pessoas, principalmente crianças.
Ilustração: Keziah Costa/NE10
HIGIENE – O voluntário dono de um Cão Doutor se compromete a dar uma banho caprichado no seu bichinho 24h antes da visita no hospital. No dia do encontro, os animais recebem uma camada de gel higienizador e um produto que elimina os causadores de alergia por parte dos pacientes. Além disso, durante as atividades, os profissionais de saúde que acompanham a visita carregam um kit para limpar o chão do hospital caso o animal venha a urinar ou fazer fezes na sala.
Visitas dos Cães Doutores
Quinzenalmente, às quintas-feiras, pela manhã (por volta das 9h), na pediatria do Hospital Barão de Lucena.
Treinamento
Kennel Club de Pernambuco
BR-101, Km 15,5, em Jardim Paulista, Paulista
Contato: (81) 3433-1638 ou secretaria
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